Órgãos de inteligência alertam Planalto sobre risco de intervenção dos Estados unidos
- José Adauto Ribeiro da Cruz

- 4 de dez.
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Pela primeira vez de forma oficial e documentada, a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência encaminharam ao Palácio do Planalto relatórios conjuntos que colocam o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva em estado de alerta máximo em relação às movimentações militares dos Estados Unidos na América Latina.
Os documentos, um deles desclassificado e outro ainda reservado, apontam que Washington vem estruturando uma estratégia que pode usar o combate ao narcotráfico e ao chamado narcoterror como pretexto para intervenções diretas na região, com foco inicial na Venezuela, mas com reflexos que podem atingir rapidamente o Brasil, especialmente na Amazônia e na tríplice fronteira.
As ações mais visíveis dos Estados Unidos ocorreram nas últimas semanas no Mar do Caribe, onde a Marinha americana realizou uma série de ataques a embarcações supostamente ligadas ao tráfico, destruindo alvos em águas internacionais próximas à costa venezuelana.
Ao mesmo tempo, o presidente Donald Trump anunciou publicamente que operações terrestres contra grupos que ele associa ao regime de Nicolás Maduro podem acontecer muito em breve e determinou o fechamento total do espaço aéreo venezuelano para aeronaves civis e militares do país.
A medida, implementada em menos de 48 horas, foi acompanhada pela designação oficial do chamado cartel de Los Soles, estrutura acusada de envolver altos funcionários do governo venezuelano como organização terrorista estrangeira.
No dia 21 de novembro, Trump manteve uma ligação telefônica de 15 minutos com o próprio Nicolás Maduro. Segundo fontes que acompanharam a conversa de ambos os lados, o presidente americano apresentou um ultimato: renúncia imediata em troca de salvo-conduto para Maduro, sua esposa Cília Flores e o filho.
Maduro declarou-se disposto a deixar o poder e até abandonar o país, mas só aceitaria sair sob condições que incluíam anistia ampla para ele, familiares e mais de uma centena de aliados, levantamento de todas as sanções pessoais e o arquivamento de processos no Tribunal Penal Internacional.
Propôs ainda que a vice-presidente Delcy Rodríguez assumisse um governo de transição e que as forças armadas permanecessem sob comando chavista até novas eleições.
Trump rejeitou todos os pontos e a negociação terminou sem acordo. Dias depois, Maduro qualificou o contato como respeitoso e cordial e pediu uma nova rodada de conversas, ainda sem resposta.
É nesse cenário que a Agência Brasileira de Inteligência produziu o relatório Desafios de Inteligência, edição 2026, encaminhado ao presidente Lula com grau de urgência elevado.
O documento alerta que a combinação de crime organizado transnacional, fragilidades institucionais regionais e interesses externos cria um ambiente propício para que potências, como os Estados Unidos, utilizem pretextos securitários, especialmente o combate ao narcoterrorismo, para avançar sobre soberanias latino-americanas.
Embora o texto desclassificado evite citar países nominalmente, fontes da ABIN confirmam que a preocupação central é com a possibilidade de os Estados Unidos replicarem na América do Sul padrões já aplicados em outras regiões, usando o discurso de proteção ambiental ou de combate ao tráfico para justificar presença militar permanente em áreas estratégicas, com destaque para a Amazônia brasileira.
A Polícia Federal, em relatório paralelo, vai além e aponta que parte dos interesses americanos envolve recursos naturais e rotas logísticas que passam pelo território brasileiro.
Os delegados que assinam o documento destacam que em outubro de 2025 o governo brasileiro rejeitou formalmente o pedido americano para classificar o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho como organizações terroristas, decisão que gerou mal-estar em Washington.
A mesma posição foi mantida mesmo após alertas explícitos de que facções brasileiras já operam em parceria com estruturas venezuelanas acusadas de financiar o regime de Maduro com recursos do tráfico.
Analistas de inteligência brasileiros observam que o Planalto parece adotar uma postura de conveniência dupla: de um lado, evita antagonizar diretamente as organizações criminosas que controlam territórios e rotas dentro do país; de outro, mantém apoio diplomático ao governo venezuelano, mesmo após eleições presidenciais de 2024 amplamente contestadas e consideradas fraudulentas por dezenas de países.
Essa linha tem sido defendida publicamente pelo próprio Lula, que em outubro chegou a oferecer mediação entre Maduro e a oposição, proposta recebida com frieza tanto em Washington quanto por setores da oposição venezuelana.
Diante do quadro, a ABIN recomenda ao governo brasileiro o fortalecimento imediato de mecanismos regionais de defesa e inteligência, o aumento da presença militar discreta nas fronteiras oeste e norte e a retomada de fóruns como a UNASUL ou o Conselho de Defesa Sul-Americano para tentar equilibrar forças frente à pressão externa.
Internamente, o clima no Palácio do Planalto é descrito por auxiliares próximos como de alerta total, com reuniões diárias entre Lula, os ministros da Defesa, Justiça e Relações Exteriores e os diretores da ABIN e da PF para monitorar os próximos passos dos Estados Unidos na região.
Enquanto isso, na Venezuela, Nicolás Maduro intensifica discursos de resistência, mas fontes próximas ao Palácio de Miraflores reconhecem que o cerco econômico e militar americano aperta a cada dia, reduzindo margens para manobra.
A combinação de sanções ampliadas, bloqueio aéreo total e ameaça de incursões terrestres coloca o regime em sua crise mais aguda desde 2019, ao mesmo tempo em que reascende temores brasileiros de que o precedente venezuelano possa, em pouco tempo, bater à porta da Amazônia.
O Brasil vive hoje um dilema estratégico delicado. Manter a tradicional defesa da soberania e da não intervenção, bandeira histórica da diplomacia brasileira, significa, no curto prazo, alinhar-se a um regime em colapso e expor o país a acusações de leniência com o crime organizado transnacional.
Por outro lado, qualquer aproximação mais clara com a agenda americana arrisca abrir espaço para uma presença militar estrangeira na Amazônia, que uma vez instalada dificilmente sairia. Entre os dois caminhos, o governo Lula optou até agora por uma terceira via: ganhar tempo com discursos de integração regional e ofertas de mediação.
O problema é que o tempo, neste momento, parece jogar a favor de quem dispõe de porta-aviões no Caribe e não de quem depende de reuniões da CELAC. Se a queda de Maduro se confirmar nas próximas semanas, o Brasil terá de decidir rapidamente se prefere ser parte da solução regional ou o próximo alvo da mesma doutrina que hoje cerca Caracas.


